ARETESAUDE HUMANA Ano 1, Vol.1 abril/maio/junho ., Série 17/04, 2013, p.04
Famosa Caverna de Platão s. XVI Musée de la Chartreuse, Douai, France. |
O
MITO DA CAVERNA
Imaginemos
uma caverna separada do mundo externo por um alto muro. Entre o muro e o chão
da caverna há uma fresta por onde passa um fino feixe de luz exterior, deixando
a caverna na obscuridade quase completa. Desde o nascimento, geração após geração,
seres humanos encontram-se ali, de costas para a entrada, acorrentados sem poder
mover a cabeça nem locomover-se, forçados a olhar apenas a parede do fundo,
vivendo sem nunca ter visto o mundo exterior nem a luz do Sol, sem jamais ter efetivamente
visto uns aos outros nem a si mesmos, mas apenas sombras dos outros e de si mesmos
porque estão no escuro e imobilizados. Abaixo do muro, do lado de dentro da caverna,
há um fogo que ilumina vagamente o interior sombrio e faz com que as coisas que
se passam do lado de fora sejam projetadas como sombras nas paredes do fundo da
caverna. Do lado de fora, pessoas passam conversando e carregando nos ombros
figuras ou imagens de homens, mulheres e animais cujas sombras também são projetadas na parede
da caverna, como num teatro de fantoches. Os prisioneiros julgam que as sombras
de coisas e pessoas, os sons de suas falas e as imagens que transportam nos
ombros são as próprias coisas externas, e que os artefatos projetados são seres
vivos que se movem e falam. Os prisioneiros se comunicam, dando nome às coisas
que julgam ver (sem vê-las realmente, pois estão na obscuridade) e imaginam que
o que escutam, e que não sabem que são sons vindos de fora, são as vozes das
próprias sombras e não dos homens cujas imagens estão projetadas na parede;
também imaginam que os sons produzidos pelos artefatos que esses homens
carregam nos ombros são vozes de seres reais. Qual é, pois. A situação dessas
pessoas aprisionadas? Tomam sombras por realidade, tanto as sombras das coisas
e dos homens exteriores como as sombras dos artefatos fabricados por eles. Essa
confusão, porém, não tem como causa a natureza dos prisioneiros e sim as
condições adversas em que se encontram. Que aconteceria se fossem libertados
dessa condição de miséria? Um dos prisioneiros, inconformado com a condição em
que se encontra, decide abandoná-la. Fabrica um instrumento com o qual quebra
os grilhões. De início, move a cabeça, depois o corpo todo; a seguir, avança na
direção do muro e o escala. Enfrentando os obstáculos de um caminho íngreme e
difícil, sai da caverna. No primeiro instante, fica totalmente cego pela
luminosidade do Sol, com a qual seus olhos não estão acostumados. Enche-se de
dor por causa dos movimentos que seu corpo realiza pela primeira vez e pelo
ofuscamento de seus olhos sob a luz externa, muito mais forte do que o fraco
brilho do fogo que havia no interior da caverna. Sente-se dividido entre a incredulidade
e o deslumbramento. Incredulidade porque será obrigado a decidir onde sé encontra
a realidade: no que vê agora ou nas sombras em que sempre viveu. Deslumbramento
(literalmente: ferido pela luz) porque seus olhos não conseguem ver com nitidez
as coisas iluminadas. Seu primeiro impulso é o de retornar à caverna para
livrar-se da dor e do espanto, atraído pela escuridão, que lhe parece mais
acolhedora. Além disso, precisa aprender a ver e esse aprendizado é doloroso,
fazendo-o desejar a caverna onde tudo lhe é familiar e conhecido. Sentindo-se
sem disposição para regressar à caverna por causa da rudeza do caminho, o
prisioneiro permanece no exterior. Aos poucos, habitua-se à luz e começa a ver
o mundo. Encanta-se, tem a felicidade de finalmente ver as próprias coisas,
descobrindo que estivera prisioneiro a vida toda e que em sua prisão vira
apenas sombras. Doravante, desejará ficar longe da caverna para sempre e lutará
com todas as suas forças para jamais regressar a ela. No entanto, não pode
evitar lastimar a sorte dos outros prisioneiros e, por fim, toma a difícil
decisão de regressar ao subterrâneo sombrio para contar aos demais o que viu e convencê-los
a se libertarem também. Que lhe acontece nesse retorno? Os demais prisioneiros zombam
dele, não acreditando em suas palavras e, se não conseguem silenciá-lo com suas
caçoadas, tentam faze-lo espancando-o. Se mesmo assim ele teima em afirmar o
que viu e os convida a sair da caverna, certamente acabam por matá-lo. Mas,
quem sabe alguns podem ouvi-lo e, contra a vontade dos demais, também decidir sair
da caverna rumo à realidade. O que é a caverna? O mundo de aparências em que vivemos.
Que são as sombras projetadas no fundo? As coisas que percebemos. Que são os
grilhões e as correntes? Nossos preconceitos e opiniões, nossa crença de que o
que estamos percebendo é a realidade. Quem é o prisioneiro que se liberta e sai
da caverna? O filósofo. O que é a luz do Sol? A luz da verdade. O quê é o mundo
iluminado pelo sol da verdade? A realidade. Qual o instrumento que liberta o prisioneiro
rebelde e com o qual ele deseja libertar os outros prisioneiros? A Filosofia. ¹
Extraído de "A República" de Platão . 6°
ed. Ed. Atena, 1956, p. 287-291.
Pensando as Cavernas que habitamos...
O preconceito é um pré-julgamento
feito àquilo que não conhecemos e tem influência do mundo social. O racismo
nada mais é que o preconceito contra o outro indivíduo que nem mesmo conhecemos,
criando um bloqueio para vir a conhecê-lo. O preconceito nada mais é que um
mito que nos coloca em uma caverna, a caverna da ignorância. Somos os
prisioneiros, já as pessoas capazes de respeitar e aceitar as diferenças são
aquelas que “fugiram da caverna”.
A caverna que habitamos são as
nossas limitações e estas foram a nós impostas pela sociedade que define o
certo e o errado e impõe seus valores veiculando pela mídia um modelo de como
devemos viver e quais escolhas fazer. A mídia é um bom exemplo de caverna
porque atua diretamente na vida das pessoas. Na televisão, as novelas “ensinam” uma vida muito diferente da
realidade enquanto cria moda para roupas, penteados e estilos de vida impondo estes
modismos como o que todos deveriam ser e ter.[i]
Bibliografia:
1- CHAUÍ, MARILENA.
Convite à filosofia. 8ªed. Ática. São Paulo, 2008.