Revista Aretê Saúde Humana, Ano 2, Vol. 2,Julho/Agosto/Set 2014, Série 22/08 p.08
SAÚDE NA PÓS-MODERNIDADE: a mente e o controle da
I –INTRODUÇÃO
Eric Boragan Gugliano[2]
A
busca pela saúde é intrínseca ao ser humano, todavia a ciência moderna e sua
tecnologia de máquinas criou nas ciências da saúde um arsenal de tecnologias
que buscam a doença e, mesmo com jargão da prevenção, mantém o foco na doença.
Quando os programas e políticas de saúde tratam de modelos de prevenção,
obviamente focam em prevenção da doença “X” mantendo a doença em evidência. Esta
“tecnologia da doença” alcançou um status inquestionável. Dispomos de equipamentos
que podem scannear o corpo humano rastreando mínimos sinais de disfunções que
podem levar a desabilidades e doenças diversas, simples ou graves, agudas ou
crônicas. No mesmo passo, tratamentos também podem garantir o prolongamento da
vida. Radiações contra neoplasias, quimioterápicas que selecionam a ação nas
células doentes e, antibióticos de espectro amplo. Técnicas cirúrgicas e
microcirugicas que acessam estruturas e sistemas fisiológicos dispostos no mais
íntimo espaço da dimensão biológica do corpo humano. Mesmo estando longe do
controle das doenças, essa tecnologia conseguiu o feito de aumentar a
expectativa de vida que do início do século XX estava em torno de 50 anos, na
primeira década do século XXI já acena com uma expectativa de 80 anos. Vivemos
mais, mas como é a vida que vivemos?
Uma
análise ampliada do fenômeno saúde-doença para proposta de um conceito ampliado
de saúde advém da constatação de que o modelo biomédico e biologicista de
compressão não são suficientes. A vida detém uma complexidade tal que um único
modo ou perspectiva não consegue tangenciá-la, e na pós-modernidade a ciência
busca desvendar as dimensões humanas e possam sinalizar os caminhos que levam a
compreensão ampliada do que é saúde, do que causa a doença e como conseguir o
equilíbrio dinâmico – a saúde -
Dimensões Humanas
O conceito
tradicional de saúde exposto pela Organização Mundial de saúde em 1948 que
entende saúde como “completo bem estar físico, mental e social e não meramente
a ausência de doença ou enfermidade” vem sendo há alguns anos contestado e
entendido como inadequado e inalcançável. De modo ampliado, o conceito de saúde
deve analisar o contexto social, cultural, econômico, político, além das
concepções filosóficas, emocionais, psíquicas, educacionais e espirituais, além
do contexto biológico genético, constitucional e funcional. Entendemos que as
dimensões do humano devam ser analisadas na busca da compreensão das respostas
humanas aos diversos estímulos que podem romper com o equilíbrio e interromper
a saúde.
A vida, no aspecto biológico, químico, físico e mesmo social, não
parece mais um grande mistério, já que a ciência vem desvendando, ao longo da
história, várias facetas. Atualmente, o projeto genoma vem revelando o que há
poucos anos parecia indecifrável. Essa desmitificação da vida, feita pela
ciência, suscita novos olhares e, ao mesmo tempo, apresenta, diante de todos,
conexões da vida, até então biofisiológica, ao inexplicável ou desconhecido
mundo cósmico, onde tudo se dá.
O
desenvolvimento científico deu ao homem a falsa impressão de que este era o
centro do universo. Dotado de inteligência, o humano era o único ser capaz de
dominar, sem correr o risco de ser dominado. Ikeda (2002) comenta que “A
fundamental força da vida, movendo-se com o miraculoso ritmo do cosmo, se
manifesta numa infinidade de misteriosas formas. Existe em objetos não
sensíveis e também em frágeis seres como os pássaros e as borboletas. O corpo
humano é apenas a mais delicada e maravilhosa manifestação da força vital, mas
quando falamos da lei da vida
incluímos não só o organismo do homem e suas funções como também o da
totalidade do dinâmico mundo do aqui e agora, no qual a força da vida se
manifesta em formas perceptíveis.” (BITTES, Jr.2003).
Conforme citado acima, a dimensão
biológica foi e é onde mais apostamos nossos conhecimentos e por isso mais
clara para a compreensão nas ciências da saúde. A dimensão psicológica, se
orientada pelo paradigma cartesiano, descreve um ser humano desconectado do
corpo. Corpo e mente, neste modelo, não tem interface. Mas, quando esta
interface é refeita, a estrutura e funcionamento psicológico tomam novo
sentido. Corpo e mente estão unidos em interação contínua. Crema (2002), afirma
que “...corpo e psique encontram-se numa irredutível relação dialética e
sinérgica. Refletindo-se mutuamente, tudo o que nos atinge numa dimensão
repercute na outra, em intrínseca mutualidade e interdependência.” Desta feita,
a partir no momento que passamos a compreender o humano em dimensões mutuas e
dialéticas, não mais caberá uma descrição, mesmo que didática de cada uma
dessas dimensões. Estas dimensões configuram uma unidade e não uma entidade em si. Uma não tem sentido
sem outra, logo são nulas. Somos a unidade que se constitui nestas dimensões.
Nossas construções psíquicas, culturais, espirituais resvalam uma na outra e
dão forma do que somos. Não podemos ver a parte achando que vimos o todo. Nessa
trama, saúde-doença são ao mesmo tempo antagonismos, mas respostas possíveis e
plausíveis do viver.
Assim
como as dimensões dão a unidade do humano em seu plano de sujeito, este não
expressaria vida sem um ambiente. Adicionamos aqui o ambiente como o lugar
físico onde a vida se manifesta. O ambiente amalgama o ser e também co-participa
da constituição de sua identidade. A relação é tão intrínseca como das
dimensões humanas. Não se trata somente dos aspectos sócio-culturais
transformados em valores e crenças. Trata-se da energia que nele imprime e que
dele se alimenta. Neste interregno tratamos de intima relação entre pessoa e
ambiente. A interação harmônica entre estes campos [humano e ambiente] – é que
podem repercutir no equilíbrio que entendemos corresponder a saúde. “A
integração entre microcosmo e macrocosmo produz um estado de equilíbrio e uma
energia vital que protegerá a integridade física e espiritual da pessoa,
portanto, a saúde é o resultado de um contínuo equilíbrio entre as energias do
universo e da vida individual.” (BITTES, Jr. 2003).
O Ambiente
Toynbee, Ikeda (1976)
afirmam que "Desde que nossos ancestrais se tornaram humanos, o homem vem
modificando o meio natural de maneira a fazê-lo a atender melhor às suas
necessidades. Neste particular, a humanidade não tem sido excepcional.
Numerosas espécies de seres vivos não humanos fizeram a mesma coisa, embora, ao
contrário dos seres humanos, não atuassem consciente e deliberadamente sobre o
ambiente. Até os últimos 200 ou 300 anos, contudo, nem a humanidade nem
qualquer outra forma de vida neste planeta obliterou o meio natural impondo-lhe
outro, artificial.”
Os mesmos autores afirmam ainda que o motivo que
levou a violação do que era inseparável (pessoa e ambiente) foi a concepção de
que o homem e a natureza são entidades opostas, sendo o homem a figura
principal de todo o universo. A causa do rompimento entre o homem e a natureza
estaria centrada em duas prováveis hipóteses. Primeira: a não consideração pelo
homem de que o universo está vivo. Segunda: o monoteísmo judaico-cristão que
admite que, sendo o homem criado por Deus, este teria posto toda a criação não
humana à disposição das criaturas humanas (Bíblia Sagrada, 1993 Capítulo 1,
versículos 26-30 do Livro dos Gênesis).
O ser humano unitário é irredutível, indivisível, um campo de energia
pandimensional e identificado por padrões que manifestam as características
específicas do todo. O ambiente é
também irredutível, indivisível, um campo de energia pandimensional,
identificado por padrões e integrado ao campo humano; por isso, ser humano e
ambiente são campos unitários e ao mesmo tempo unos, resguardando infinitas
possibilidades, trocando energia e influenciando-se mutuamente. Isso os
caracteriza como campos abertos continuamente influenciando e sendo
influenciados (Rogers, 1992). A relação de campo humano e ambiente se traduz em
todas as relações que hoje vivemos.
A natureza agredida se rebela. Já
não temos total harmonia climática. Catástrofes naturais são cada vez mais
freqüentes. Na sociedade moderna assistimos a degradante condição em que o
comportamento competitivo e a política neoliberal mergulharam as pessoas. O
Resultado de séculos de um desenvolvimento desmedido foi a guerra, a fome e a
miséria, chegando a humanidade ao início do terceiro milênio desprovida de
dignidade e de ética. Vivemos a ausência da ética, do respeito e da
solidariedade.
Diante deste caos, cabe perguntar se é possível manter o
equilíbrio dinâmico que, na perspectiva holística, configura o ser saudável, ou
o que cabe às pessoas é traduzir a desarmonia cósmica em estados de doenças e
infelicidade?
Com certeza, o reflexo do desligamento
do todo impediu e impede o humano de existir plenamente exercendo suas funções
naturais e garantindo um desenvolvimento existencial feliz. É como se
negássemos a nossa natureza. Não é difícil olharmos a nossa própria história e
identificarmos a distinção entre o prazer e o dever. O prazer relegado a menor
parte do tempo diário e o dever açoitando nosso cotidiano, repercutindo em
relações humanas instáveis, conflituosas e incompletas. E mesmo sentindo os efeitos
desta quebra, sequer somos capazes de desempenhar força contrária, negando até
mesmo o princípio da física que não admite a existência unilateral da força. É
como se estivéssemos criando a nossa própria guilhotina. Perdemos o sentido da
vida, e com ele o prazer, e com ele a felicidade, e com ela a saúde, já que
rompemos com o equilíbrio dinâmico do universo. Estamos doentes.
Saúde
e Cura no âmbito da espiritualidade
Tocquet (1973), estudou as
diversas manifestações de cura de caráter religioso, receitas ditas milagrosas, efeitos da sugestão e
auto-sugestão, hipnotismo, etc. Ao
descrever sobre as apresentações do
magnetismo propagadas na França pelos aparelhos inventados por Mesmer, traça um comentário que nos parece
atualíssimo:
“Por uma espécie de fenômeno de contágio mental o magnetismo monopoliza
os espíritos, o que não é para surpreender, pois os agrupamentos humanos são
monopolizados periodicamente por qualquer ideal religioso, filosófico, político
ou científico. De vez em quando, um vento de
loucura agita todos os cérebros". (TOCQUET,1973)
Sua opinião é
de que a doença e a cura são causadas pelo pensamento principalmente por
mecanismos de sugestão mental, ainda
mais quando a multidão parece entrar em uma espécie de
condicionamento sugestivo coletivo. Quando o autor descreve o papel dos
curandeiros conclui:
" Em outras palavras o doente é o instrumento principal de sua
própria cura. Mas o curandeiro, quando entra em cena desempenha também um papel
importante. Pode-se dizer realmente que ele é uma espécie de catalisador, que
só pela sua presença impulsiona as forças intensas do subconsciente do paciente
e os processos de cura, quando existe uma concordância intensa intersubjetiva
entre ele mesmo e o doente se processa a cura." (TOCQUET, 1973).
O autor também cita trechos de um postulado religioso
de 1894 que vem bem ao caso:
" Diz-se que um abcesso é doloroso, isto
porém, é impossível pois a matéria sem o espírito não padece dor. O abcesso
manifesta-se pela inflamação, e a presunção da crença na dor, e é esta crença
que é chamada abcesso; uma vez a crença atenuada, o doente ficará bom do abcesso."
Discute também o aparecimento de estigmas nas mãos e
pés devido a obstinação e histerismo, principalmente por freiras, pelo
sofrimento e aparecimento das Chagas de Cristo, demonstrando que o pensamento causa
a manifestação dos estigmas no corpo. O autor conclui que podemos obter a cura
pela mudança de pensamento causado por sugestões externas ou interiores.
Goswami (2008), diz que há
tempos os cientistas e filósofos confundem a mente com a consciência,
comentando ser um paradoxo a mesma mente que criou a doença ser capaz de
provocar a própria cura. Se a consciência for uma causa do modelo biológico,
como essa mesma consciência que criou a doença no modelo biológico poderá
provocar a cura? Para o autor a
consciência é responsável pela causa do modelo biológico existir e tudo
partiria da consciência. Portanto a
consciência causaria o modelo biológico e a mente, e não o contrário. O autor
explica sobre os modelos sutis de energia que poderiam ser tratados com a
medicina alternativa, mas questiona o motivo dessa medicina, como a alopática,
não promover cura em muitos organismos doentes. Sua hipótese é de que somente
quando se atinge os níveis de consciência é que se torna possível da cura se
manifestar. " Mente e matéria são ambas possibilidades quânticas dentre as
quais a consciência pode escolher." (GOSWAMI, 2008).
Mas, o mesmo
autor também chama a atenção para a dificuldade de se utilizar os paradgimas
científicos:
"Um
paradigma é um conjunto de premissas metafísicas, de suposições subjacentes
complementares e de sistemas lógicos implícitos ou explícitos nos estudos
regulares de um grupo de cientistas, num determinado campo da atividade humana.
De acordo com essa definição, a medicina convencional dispõe de um paradigma
operativo que tem como base a metafísica materialista, a física clássica, a
bioquímica, a biologia molecular e o neo-darwinismo...a medicina precisa de um
novo paradigma"
Portanto para a compreensão do Ser Humano integral
(consciência, mente, modelo biológico e correlação com o meio ambiente) são
necessários novos paradigmas para a criação de um novo contexto metodológico.
Para Hogan (2002), estudar a mente significa o fim da ciência, pois jamais a
mente será capaz de compreendê-la por si só. Após abandonar o cargo de editor
em uma revista científica e afirmar que o medicamento não funciona e sim que a
cura deve-se ao efeito placebo causou um impacto grande aos neuroscientistas ao
afirmar que não temos paradigmas suficientes para entender a mente. Temos,
portanto, de encontrar tais paradigmas partindo-se claro do que já temos como
conhecimento biológico e psicológico. O pensamento implica em processar
significados e esses significados ambientais são analisados pelo sistema
límbico como memória e emoções. Aggleton (1992) descreve minuciosamente a
compilação de artigos científicos demonstrando a funcionalidade e estrutruras
envolvidas na neurobiologia do comportamento emocional. Gugliano (1998), mostrou como lesões em
pequenos núcleos de estruturas como a Amygdala e hipocampo em ratos Wistar machos
podem afetar o condicionamento emocional em tarefas aversivamente motivadas. Essas definições são bem claras de que as
mensagens externas são processadas por um sistema neural complexo e armazenadas
na memória emocional. Mas ainda explicam um ser humano separado e condicionado
pela sua própria genética na recepção e processamento de informações externas.
Lipton (2007), discute que é o ambiente que influencia significativamente na
manifestação dos genes. A idéia anterior é que o organismo será moldado
estruturalmente e funcionalmente pela manifestação gênica. Para o autor a
membrana celular é a parte mais importante da célula porque receberia as várias
informações ambientais e transformaria em mensagens químicas para a manifestação
gênica. Nesse contexto os pensamentos também influenciariam as células, pois o
sistema límbico, principalmente o hipotálamo, sintetizaria substâncias (neuropeptídios)
que participariam de um efeito bioquímico direto ou mediação de outras
manifestações indiretas como encaixar-se em receptores da membrana plasmática e
promover uma resposta na manifestação
gênica. Já é também do conhecimento científico a importância do sistema psiconeuroimunológico
onde o pensamento pode gerar substâncias mediadoras no sistema imunológico.
Pesquisadores descobriram que determinados componentes do sistema imunológico,
os linfócitos células -T, têm receptores para uma endorfina chamada
metionina-encefalina. Portanto, pensamentos felizes seriam capazes de
produzirem aumento de anticorpos, efeitos analgésicos pelo aumento de
endorfinas e ativação de um número maior de linfócitos T. Frente ao exposto,
entendemos que a ciência deva ampliar a compreensão dos fenômenos da vida para
assim saber como entender sua dinâmica e promover a SAÚDE.
III- REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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